Entrevista com Manuela Dias sobre a volta de Amor de Mãe — Gama Revista
Conversas

O retorno de ‘Amor de Mãe’

Após um ano, ‘Amor de Mãe’ volta com a conclusão da trama. Manuela Dias, autora da novela, fala a Gama sobre os desafios durante a pandemia e as surpresas que aguardam o telespectador

Daniel Vila Nova 11 de Março de 2021
Jorge Bispo

Há cerca de um ano, a novela “Amor de Mãe” era interrompida em meio a pandemia do novo coronavírus. A trama, que chegava ao seu ápice, teve de ser pausada para garantir a segurança daqueles que trabalhavam na produção e o futuro de Lurdes (Regina Casé), Thelma (Adriana Esteves) e Vitória (Taís Araújo) permaneceu um mistério para quase todo o Brasil durante 2020.

Após uma pausa de cinco meses, as gravações da novela voltaram em agosto e foram finalizadas em novembro de 2020. Nas últimas duas semanas, uma pequena recapitulação foi exibida na TV Globo e os 23 episódios finais de “Amor de Mãe” serão exibidos a partir do dia 15 de março de 2021.

No meio de todo esse turbilhão, a autora Manuela Dias sobreviveu a uma estreia para lá de única. A escritora trabalha na Globo há mais de 24 anos e foi responsável por minisséries como “Ligações Perigosas” (2016) e “Justiça” (2016). Seu objetivo, entretanto, sempre foi escrever uma novela. A oportunidade surgiu e quando Silvio de Abreu, ex-Diretor de teledramaturgia da TV Globo, leu a sinopse, soube que tinha uma novela das nove na mão. “Me senti super desafiada. Perguntei se estava tudo bem estrear às nove e ele me falou que é a ideia que define o horário. Não havia outro horário para ‘Amor de Mãe’.”

Foi muito intenso, mas é maravilhoso. Aprendi muito sobre televisão, sobre meus limites e sobre a vontade inesgotável do ser humano de ser um contador de histórias

O começo foi turbulento. Apesar dos elogios da crítica especializada, a novela custou a engrenar com o público e chegou a ter menos audiência que o folhetim das sete. A recuperação veio e se tornou um sucesso. E então, o mundo acabou.

Manuela foi a primeira autora a ter sua novela interrompida por uma pandemia. Ela, entretanto, não parou de trabalhar. “Amor de Mãe” continuou a ser escrita, e Manuela escreveu no aniversário, no Dia das Mães, em finais de semana e em feriados. Doze horas por dia, sete dias por semana. “Foi muito intenso, mas é maravilhoso. Aprendi muito sobre televisão, sobre meus limites e sobre a vontade inesgotável do ser humano de ser um contador de histórias.”

Hoje, ela já não é mais capaz de imaginar o processo de escrita da novela sem a pandemia, mas se orgulha de cada palavra dita na produção. “Sinto que não mobilizei a vida das pessoas que trabalharam na novela e os esforços da empresa em vão. Foi muito emocionante para mim, na coletiva de retorno, ver que todos amavam a novela. É horrível chegar no final de um processo e ver que ninguém está feliz. Traumático até foi, mas a vida é traumática.”

De sua breve carreira como atriz ao sucesso no horário nobre da Globo, Gama conversou com Manuela Dias sobre seus primeiros passos enquanto escritora, a importância dos temas que aborda em “Amor de Mãe” e os desafios de adaptar uma novela em meio a uma pandemia.

O protocolo de segurança nas gravações foi rígido. Os atores foram separados em bolhas e os figurantes dispensados

Atrás das câmeras

Manuela Dias odiava ser atriz. A profissão, que lhe rendeu duas novelas na Globo e inúmeras peças teatrais, aconteceu quase que por acidente. Filha de uma produtora, ela acompanhava a mãe aos ensaios teatrais para não ficar sozinha em casa e, quando se deu conta, já estava subindo nos palcos para atuar.

Foi em “Brida” (1998), novela dirigida por Walter Avancini, que começou a entender que a frente da câmera não era para ela. “Nós estávamos na Irlanda, no meio de um campo de girassóis, quando o Avancini me disse que eu não seria atriz por muito tempo. Não entendi na época, mas hoje entendo”, afirma a escritora.

Dito e feito, aos 19 anos Manuela escreveu sua primeira peça — “Soul 4”, dirigida por Luís Salém. Os ensaios, realizados no Teatro Villa-Lobos, eram acompanhados por ela, que também atuava na peça. Última a entrar em cena, ela observava as atrizes da arquibancada — Arieta Corrêa, que hoje também atua em Amor de Mãe, era a primeira a entrar.

“Arieta entrava, virava e falava ‘o que aconteceu?’ Ver um pensamento meu andando, virando e falando foi uma das maiores emoções que eu já senti. Ali, deixei de ser atriz e me descobri autora.”

A escritora não nega que ainda sofre enquanto autora, mas classifica esse sofrimento como produtivo. Como atriz, Manuela sofria quando mandavam em seu cabelo, ou que fosse obrigada a colocar certas roupas ou beijar certos rostos. “Eu odiava tudo, sofria muito. Admiro muito a profissão, mas sei que era uma péssima atriz — bem canastrona, bem intensa. Na escrita até que funciona bem, mas tenho certeza que os palcos não sentiram falta das minhas performances.”

Admiro muito a profissão, mas sei que era uma péssima atriz. Tenho certeza que os palcos não sentiram falta das minhas performances

A carreira como roteirista continuou na Rede Globo, onde foi de “Sandy & Junior” (2002) à “Joia Rara” (2013). “Trabalho na Globo desde os meus 20 anos, mas nunca fiz só isso, sempre conciliei o meu trabalho de roteirista com peças e filmes mais autorais. Foi maravilhoso quando consegui juntar esses dois espaços em um único trabalho.”

Após o sucesso de “Ligações Perigosas” e “Justiça”, a chance de escrever uma novela veio. A autora já havia entregado uma outra sinopse para Globo quando a ideia de Amor de Mãe lhe ocorreu. Manuela implorou para Silvio de Abreu e Mônica Albuquerque por mais tempo e entregou a sinopse da nova novela em um mês e meio.

“Eu tinha acabado de ser mãe. Sei que é clichê falar isso, mas foi uma experiência muito transformadora. É um processo bruto que não te afeta só como mãe, mas como ser humano em sua totalidade. Te afeta de uma forma celular.”

Mãe Coragem e a pandemia

“Você teve que adaptar muito a novela para a pandemia?”, antecipa Manuela. A pergunta, que ela respondeu em todas as entrevistas até o momento, é o que a autora mais escuta nos últimos tempos. “Claro que não, já estava tudo pronto”, ela brinca. “Eu tinha o roteiro da novela caso o mundo continuasse normal e o roteiro caso a pandemia acontecesse”, ironiza.

“Adaptar é o trabalho do roteirista”, afirma. “Eu não sou uma autora de poemas ou de romances, minha escrita está muito submetida à realidade.” A pandemia não foi escondida, do álcool gel às compras lavadas, tudo foi implementado na trama por Manuela. “A novela sempre foi muito realista, não poderia mudar isso. Mas fiz todo o possível para abraçar e proteger as pessoas que trabalham comigo.”

O final da novela contará o embate entre Lurdes (Regina Casé) e Thelma (Adriana Esteves) pela identidade de Danilo/Domênico (Chay Suede), filho biológico de Lurdes

Os personagens foram divididos em bolhas e seguem a lógica da vida — na rua usam máscaras, mas em casa não. O processo de retorno a gravação foi feito com a participação de toda a equipe, com diversas reuniões apresentando os protocolos de segurança e ouvindo sugestões e dúvidas dos funcionários. “O cuidado tomado foi enorme, e não só com os atores, mas com a equipe toda. Houve uma desierarquização muito importante, ninguém foi mais importante do que ninguém.”

Adaptar é o trabalho do roteirista. Eu não sou uma autora de poemas ou de romances, minha escrita está muito submetida à realidade

O aspecto realista, que Manuela define como documental, pode até ter permanecido, mas a escritora garante que a novela não se tornou sobre a pandemia. “Do ponto de vista da dramaturgia, o coronavírus não é sobre o coronavírus. O covid-19 é sobre a morte. Por que ser mãe muda tudo? Porque muda nossa relação com a morte. A minha filha tem cinco anos e eu costumo brincar que não tenho mais o direito de morrer. Ao ser mãe, você perde esse direito nato e isso é muito forte, a relação com a morte é o que nos define como seres humanos.”

Para Manuela, a pandemia exacerbou todas as nossas necessidades e valores. “O que é importante? De quem eu realmente gosto? Quem eu não consigo viver sem? O que eu sou capaz de fazer por alguém que eu amo?” As perguntas, tão comuns no último ano, ecoam na boca das personagens de “Amor de Mãe”. “Ninguém fala sobre o covid-19 24 horas por dia, estamos todos tentando cuidar da nossa vida. É isso o que acontece na novela, os personagens são levados ao extremo e têm de buscar o que acreditam e o que querem proteger. Não é sobre a pandemia, é sobre eles mesmos.”

O conto da Ama

Os últimos 23 episódios de “Amor de Mãe” acontecem alguns meses depois do final da primeira parte, mas o tempo não será contabilizado em dias, semanas ou meses, mas sim pela quantidade de mortos vitimados pela pandemia. A primeira marca temporal da nova fase, 9 mil mortos no país, é só mais um exemplo dos importantes temas sociais que Manuela aborda no folhetim. Raça, gênero, classe e ambientalismo se tornaram figurinhas constantes no horário nobre da Globo.

“Para mim, existir e escrever são responsabilidades muito grandes. No momento, tenho o privilégio de escrever para 40 milhões de pessoas por capítulo e sei que isso é muito sério. O que eu boto na mesa é relevante, mas não só porque passa no horário das nove.”

Manuela costuma dizer que cresceu ouvindo histórias sobre princesas e que, agora, escreve uma história sobre a ama. “Eu estou interessada no contra plano histórico. Não quero ouvir a princesa, mas sim escutar quem ainda não falou.” Em Lurdes, Manuela encontrou uma forma de humanizar a babá, figura central em países como o Brasil.

Em entrevista ao site oficial da Globo, Regina Casé afirmou que Lurdes sofrerá bastante na fase final da novela. É melhor preparar o lencinho

“Compreender a complexidade de Lurdes e de todos os problemas que ela tem nos ajuda a entender que ninguém é figurante da própria vida. As babás, assim como quaisquer outras pessoas, são protagonistas da própria história e merecem uma vida cheia de alegrias e dores.”

Se as complexidades de Lurdes foram exploradas durante a primeira fase da novela, as de Thelma serão expostas nos últimos capítulos. Ao final da primeira parte, Thelma mata a mãe de Camila para impedir que seus segredos sejam revelados. O medo de perder Danilo (Chay Suede), que ela sabe ser o filho perdido de Lurdes, faz com que a personagem entre em um espiral de maldades.

Para mim, existir e escrever são responsabilidades muito grandes. No momento, tenho o privilégio de escrever para 40 milhões de pessoas por capítulo e sei que isso é muito sério

“Thelma é levada pelos próprios fantasmas, ela se enreda nas próprias ações. Não é o tipo de crime planejado, mas sim uma sequência de erros que se acumulam e que, quando ela percebe, já não há mais como se desculpar ou parar.”

Apesar dos crimes, Manuela tem uma enorme ternura por Thelma. Para a autora, a personagem mostra que, a depender da situação, somos capazes de fazer qualquer coisa. “Na cabeça dela, ela está sendo guiada pelo amor que sente pelo filho adotivo. Ela tem pavor de perder a única coisa que construiu na vida. É louco, mas não consigo julgar a Thelma quando a escrevo.”

Sabendo das ações de Thelma, a recapitulação se torna ainda mais agonizante. E Manuela garante, o pior ainda está por vir. “Ela vai a loucura na fase final. Mas, espero que as pessoas não a odeiem quando a novela acabar. A última cena de Thelma é tão linda que acredito que ela será absolvida como Medeia, e que será levada ao Olimpo no descer dos créditos.”


VEJA TAMBÉM:

Personagens de novela brilham no streaming

Questionário Proust: Manuela Dias

Seria o fim do cinema de rua no Brasil?

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação