Retrospectiva: dez livros que nos ajudaram a superar 2020 — Gama Revista

Trecho de livro

Retrospectiva: dez livros que nos ajudaram a superar 2020

Gama reúne dez títulos publicados ao longo do ano que passou e que merecem a releitura

Mariana Payno 22 de Dezembro de 2020
  • 1

    “Você Nunca Mais Vai Ficar Sozinha”, de Tati Bernardi

    Romance conta a história de uma filha que vai virar mãe
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    Autora de “Depois a Louca Sou Eu” (Companhia das Letras, 2016) e “Homem-Objeto” (idem, 2018), Tati Bernardi é uma escritora que usa o misto de humor e cinismo com maestria, seja em seus livros, crônicas, roteiros, peças, ou em desafios como o proposto por Gama – tentou passar uma semana sem falar mal de ninguém. Em “Você Nunca Mais Vai Ficar Sozinha”, ela conta a história de Karine, que, aos 35 anos, está grávida pela primeira vez. A protagonista tem um emprego meia-boca (é roteirista de prêmios como Você Faz a Diferença no Setor Têxtil), um histórico de namorados sem futuro, e uma relação difícil com a mãe. É ela quem lhe diz que não ficará mais sozinha depois de ter uma filha, no capítulo abaixo.

    O livro cai como uma luva para a atual discussão da maternidade real, ao reunir medos de uma gestante pouco deslumbrada com o que, de fato, significa ser mãe – o medo da solidão, do perrengue, do cansaço. Ainda que o assunto não seja leve, Tati consegue escrever sobre ele de maneira divertida, ao mesmo tempo que leva à reflexão.

  • 2

    “O Reformatório Nickel”, de Colson Whitehead

    Vencedor do prêmio Pulitzer narra abusos contra meninos negros
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    O nova-iorquino Colson Whitehead fez história no dia 4 de maio de 2020 ao se tornar o primeiro autor a vencer o Pulitzer de literatura por duas obras seguidas. “O Reformatório Nickel” (Harper Collins, 2019), que levou o melhor prêmio de ficção neste ano, vem na sequência de “The Underground Railroad: Os Caminhos para Liberdade” (idem, 2017), ganhador em 2017. Apenas esse feito — que o coloca na lista seleta de escritores com dois Pulitzer na estante, ao lado de Booth Tarkington, William Faulkner e John Updike — já seria suficiente para atiçar a curiosidade do leitor sobre a obra de Whitehead, cujo fã-clube inclui nomes como Barack Obama e Oprah Winfrey.

    Porém, para além disso, “O Reformatório Nickel” joga luz sobre o racismo em um momento em que é cada vez mais urgente fazê-lo, com a ascensão do conservadorismo e dos discursos de ódio que estimulam a violência racial. Na esteira de “The Underground Railroad”, que também debate essa questão, o romance ficcionaliza uma história real. A partir dos relatos de abusos e assassinatos sofridos por meninos negros na escola Arthur G. Dozier, um reformatório na Flórida, Whitehead criou a trajetória de Elwood e Turner, dois garotos que se conhecem em uma instituição análoga na década de 1960. Com personalidades muito diferentes, assim como os motivos que os levaram até o reformatório Nickel, eles têm em comum a vivência dos horrores que testemunham lá dentro.

    Mais do que baseada em uma história real, a narrativa reverbera uma realidade mais próxima do que gostaríamos. Em um ano em que os protestos contra a violência racial se espalharam pelo mundo, não custa lembrar as questões que o livro de Whitehead escancara: aqui ou nos EUA, as feridas do racismo permanecem abertas — e sangrando.

  • 3

    “Segredos”, de Domenico Starnone

    Uma história de amor que revela os piores fantasmas do casal
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    Talvez muitos leitores brasileiros conheçam Domenico Starnone como “o marido de Elena Ferrante” — ou, pelo menos, o suposto marido: a verdadeira identidade da icônica autora da tetralogia napolitana é desconhecida, mas muitos desconfiam de sua esposa, a tradutora Anita Raja. Se a teoria é acertada ou não, dificilmente saberemos, porém fato é que Starnone e Ferrante compartilham muitas afinidades literárias. Há um reconhecido diálogo entre os temas, os personagens e a linguagem dos dois escritores italianos. E, além disso, o mistério identitário de Elena Ferrante e o fenômeno mundial em que ela se transformou despertaram um interesse global pela literatura da Itália e, em especial, pela obra de Starnone.

    Não que ele precisasse muito desse empurrãozinho ou da alcunha de “marido” para angariar reconhecimento. Como um dos maiores romancistas italianos contemporâneos, o autor nascido em 1943 tem mais de dez livros publicados e levou, em 2001, o Strega, prêmio máximo da literatura no país. Sua obra, em geral, tematiza confrontos familiares que metaforizam retratos sociais, geracionais e culturais da Itália em linguagem fluida e sagazes costuras narrativas. Em “Segredos”, lançado no Brasil em tradução do também premiado Mauricio Santana Dias, não é diferente.

    O livro conta uma história de amor tempestuosa: em um relacionamento cheio de conflitos, Pietro, um professor, e Teresa, sua ex-aluna, resolvem confessar um ao outro seus piores segredos. Eles acabam se separando e construindo outras vidas, mas as revelações perseguem os dois — e o leitor, que, afinal, também quer descobri-las — como fantasmas, por toda a narrativa. Dividido em três partes, cada uma tendo um personagem como narrador (Pietro, sua filha Emma e Teresa), o romance revela perspectivas distintas sobre esse jogo de silêncios e confissões.

  • 4

    “Observações sobre um Planeta Nervoso”, de Matt Haig

    Autor britânico investiga por que estamos cada vez mais ansiosos
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    Brochura, 14×21

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    “Eu já tinha falado sobre a minha saúde mental em ‘Razões Para Continuar Vivo’. Mas a questão não era mais por que devo ficar vivo? Desta vez, era uma mais ampla: como viver em um mundo louco sem enlouquecer?” Foi esta pergunta, cada vez mais urgente, que instigou o premiado autor britânico Matt Haig a escrever suas “Observações Sobre um Planeta Nervoso”, livro publicado originalmente em 2018 e que chega em 2020 ao Brasil pela editora Intrínseca.

    O título dá conta de sintetizar o conteúdo da obra: o que está ali são mesmo observações bem genuínas, nascidas de uma vivência pessoal, mas embasadas pela curiosidade de saber mais sobre esse tal planeta, hiperconectado, onde a ansiedade e o cansaço imperam. Haig parte da própria experiência com a depressão e os gatilhos gerados pelas redes sociais para traçar uma relação entre a superexposição a estímulos online e a saúde mental de uma sociedade cada vez mais nervosa. O autor fala de si mesmo, mas de forma a incluir o leitor em um “nós” — o que aconteceu com ele poderia acontecer com qualquer um que tenha um estilo de vida parecido.

    Por isso, o livro traz, além de uma análise do social a partir do individual, dicas e propostas para manter a sanidade num mundo cheio de desequilíbrios e, principalmente, na internet. É uma receita que já havia funcionado bem no best-seller “Razões Para Continuar Vivo” (Intrínseca, 2017), que dominou as listas de mais vendidos do Reino Unido por quase 50 semanas. Talvez seja porque Haig diz, de modo simples e direto, coisas que todos estamos precisando ouvir.

  • 5

    “O Verdadeiro Criador de Tudo”, de Miguel Nicolelis

    Neurocientista propõe que o cérebro humano é o real centro do universo
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    “Talvez seja o meu grande legado científico.” Assim Miguel Nicolelis definiu seu mais recente livro, “O Verdadeiro Criador de Tudo” (Planeta, 2020). Pudera: o título é ambicioso — com ele, o neurocientista brasileiro lança a hipótese de que o cérebro humano deve ser encarado como o centro do universo.

    Eleito algumas vezes um dos pesquisadores mais influentes do mundo, Nicolelis baseia a ousada proposta não só em conhecimentos biológicos, mas também em um amplo arcabouço humanístico — crenças e filosofias, culturas e tecnologias, arte e política. Munido de tão diversas referências, ele expõe a Teoria do Cérebro Relativístico, que descreve como o órgão evoluiu e funciona. Nesse processo, se destacariam as capacidades de trabalhar coletivamente, fazer abstrações mentais e incorporar informações: um combo essencial para o desenvolvimento da civilização humana.

    O tema parece bastante complexo, mas a linguagem do livro é bem acessível ao intercalar densas — mas diretas e didáticas — explicações científicas a passagens quase literárias sobre a história da humanidade. De quebra, nos capítulos finais, o cientista prevê como a interação excessiva com a tecnologia pode afetar o funcionamento do cérebro humano, danificando atributos que fizeram dele o centro do cosmos.

  • 6

    “Canções de Atormentar”, de Angélica Freitas

    Poeta gaúcha fala do amor entre mulheres e do Brasil de hoje
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    Já se vão oito anos da publicação de “Um Útero é do Tamanho de um Punho” (Cosac Naify, 2012 e Companhia das Letras, 2017), coletânea de poemas que celebrou a gaúcha Angélica Freitas como um dos principais nomes da literatura brasileira contemporânea. Com o estrondoso título, que seguiu a estreia com “Rilke Shake” (7Letras e Cosac Naify, 2007), ela consagrou sua linguagem ácida e bem humorada: ao manipular com sagacidade as imagens socialmente construídas do feminino, criou uma obra clássica para debater as questões de gênero no Brasil. Ampliada para outros temas, essa lírica feroz — porque irônica e inteligente — está de volta em “Canções de Atormentar” (Companhia das Letras, 2020).

    No novo livro, cujo título remete a uma performance apresentada pela poeta em 2017, memórias da infância no Rio Grande do Sul convivem com reflexões cansadas sobre o Brasil de hoje. Nesse ínterim, o amor e o sexo entre mulheres, o diálogo com outros artistas —Ana Cristina César, Claudia Andujar, Iberê Camargo —, um breve tratado em inglês sobre o mate, acontecimentos cotidianos e viagens recheiam as páginas. A leitura é um mergulho íntimo, em que reconhecemos no universo particular do eu lírico um pouco de nós mesmas, brasileiras do século 21.

  • 7

    “Samuel Wainer: O Homem que Estava Lá”, de Karla Monteiro

    O jornalista e importante figura brasileira ganhou nova biografia
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    Fundador do jornal Última Hora, Samuel Wainer (1912-1980) revolucionou a imprensa brasileira no início da década de 1950: deu aos profissionais bons salários; ao design das publicações, novos ares; à parcela vulnerável da população, mais visibilidade. Com isso, se consagrou como um dos maiores nomes da história do jornalismo no país — mas não só: atraído pelo poder e movido por fortes convicções ideológicas, Wainer foi testemunha e protagonista de acontecimentos decisivos para o Brasil contemporâneo, do Estado Novo de Getúlio Vargas aos derradeiros anos da ditadura militar.

    Baseado em uma ampla pesquisa, com fontes inéditas, “Samuel Wainer: O Homem que Estava Lá” (Companhia das Letras, 2020) revela inúmeras facetas do jornalista. Entre as descobertas da autora, a colega de profissão Karla Monteiro, estão o local de nascimento de Wainer, que chegou a ser tema de uma CPI nos anos 1950, e o conteúdo de extensos documentos sobre ele, produzidos pelo Departamento de Estado Americano na época do golpe militar. Sua participação nos embates que antecederam a derrocada da democracia em 1964 é tema do trecho que Gama publicou com exclusividade na ocasião do lançamento do livro.

    O episódio é um entre os vários que mostram como Wainer, ao longo da vida, colecionou inimigos e alimentou amizades influentes. Nas paredes de sua casa figuravam fotos ao lado de personalidades como Mao Tsé-tung, Brigitte Bardot, Golda Meir, John F. Kennedy, Salvador Allende e Pablo Neruda — lembranças de um tempo de “deleite de Gatsby”, na definição do amigo e também jornalista Paulo Francis, um momento anterior à perda do Última Hora com a chegada da ditadura.

    Esse período e outros menos glamurosos estão nas memórias de Wainer que não se puderam censurar e que foram publicadas postumamente pela Record, em 1987: a autobiografia “Minha Razão de Viver” teve 20 edições e vendeu 400 mil livros, fez barulho e cutucou muitas feridas. Mais imparcial e equilibrado, mas igualmente intrigante, é o novo e aguardado retrato da vida dessa figura histórica tão relevante para os rumos que o Brasil tomou no século 20.

  • 8

    “Nada Ortodoxa”, de Deborah Feldman

    A vida em uma comunidade ultraortodoxa que virou série da Netflix
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    Para quem se impressionou com o retrato da comunidade de judeus hassídicos em “Nada Ortodoxa” (2020), da Netflix, o homônimo livro de memórias de Deborah Feldman é um mergulho ainda mais profundo naquele universo. A obra que inspirou o roteiro da série – vencedora do Emmy de Melhor Direção em Minissérie ou Filme para a TV e indicada em outras três categorias – foi lançada originalmente em 2012 e chegou em 2020 ao Brasil pela editora Intrínseca, com posfácio inédito da autora.

    Sem as pitadas de ficção da produção da Netflix, a escritora nova-iorquina narra em primeira pessoa sua experiência na comunidade ultraortodoxa de Satmar, no Brooklyn, onde foi criada e de onde decide se afastar aos 23 anos. Mesmo para uma garota que lia escondido os livros de Jane Austen e outros títulos proibidos por um rígido código de conduta, escapar da tradição e imaginar uma nova vida longe da família e do casamento arranjado é um processo cheio de contradições.

    O jogo entre pertencimento e liberdade permeia as páginas, cuja leitura é rápida e intrigante. Afinal, a linguagem fluida e direta de Feldman encontra espaço para descrever em minúcias os costumes, definidos por ela como interpretações extremas das leis judaicas e mantidos geração após geração. Um prato cheio para a curiosidade dos leitores que nunca habitaram um mundo como aquele.

  • 9

    “Seja Homem”, de J.J. Bola

    Escritor congolês reflete sobre a construção da masculinidade
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    O que o mito de que “menino não chora”, os discursos de Donald Trump, as brincadeiras de “lutinha”, a alta taxa de suicídios entre homens jovens, os trolls do Twitter e a agressividade em competições esportivas têm em comum? Tudo isso está coberto pelo manto da masculinidade — costurada pela sociedade patriarcal, a noção do que é “ser homem” se emaranha às mais diversas manifestações da nossa vida social, política e cultural. Desfiá-la, fio a fio, é o que propõe o escritor congolês radicado em Londres J.J. Bola em sua coletânea de ensaios “Seja Homem: A Masculinidade Desmascarada”, que chegou ao Brasil em 2020 pela editora Dublinense.

    A máscara a que alude o subtítulo do livro tem várias faces, que Bola aborda a cada capítulo — o amor e o sexo, a saúde mental e as redes sociais, o esporte e a política —, mas todas elas carregam a insensibilidade e a resistência à demonstração de fraquezas pelos homens. Evocando as próprias memórias, tradições sociais e culturais e diversos estudos da área, o autor traça um panorama bem completo de como a ideia convencionada de masculinidade condiciona o estar privilegiado dos homens no mundo e afeta a sociedade como um todo — e faz isso considerando também as questões de raça, classe e sexualidade que pesam na balança dos privilégios.

    Mais do que esboçar um cenário analítico, Bola propõe maneiras de descosturar o manto do “homem de verdade” para forjar uma nova (e menos nociva) ideia de masculinidade, disposta a dissolver estereótipos e a atender às demandas por igualdade de gênero. De quebra, a edição brasileira do livro traz um prefácio de Emicida, que também reflete sobre a “trajetória ao que de fato pode significar ser um homem”.

  • 10

    “Não Digam que Estamos Mortos”, de Danez Smith

    Voz promissora da poesia dos EUA ganha primeira tradução no Brasil
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    Leia o trecho aqui.

    Negro, não binário + e soropositivo, o poeta e performer norte-americano Danez Smith carrega no corpo o perigo de morte — essa é a sensação que transparece de seus escritos dilacerantes. Um dos autores convidados da Flip 2020, ele despontou nos últimos anos como uma das vozes mais promissoras e celebradas da literatura contemporânea dos EUA e ganha a primeira publicação de seus poemas no Brasil. A edição bilíngue de “Não Digam que Estamos Mortos”, com posfácio do artista Ricardo Aleixo e tradução do também poeta André Capilé, chegou às livrarias no fim de novembro pela Bazar do Tempo.

    O livro, finalista do National Book Award e vencedor do Forward Prize, dois prestigiosos prêmios da literatura em língua inglesa, começa com uma comovente e longa sequência de versos sobre como seria a vida após a morte para jovens negros mortos pela polícia: “caro número de distintivo / o que eu fiz de errado? / nascer? ser preto? te conhecer?”, diz um trecho. Os textos que se seguem não são menos viscerais — falam de racismo e do corpo negro, mas também de relações afetivas LGBTQI+, de sexo e de desejo, da convivência com o HIV. Com uma linguagem crua e íntima, como que feita de suor e de sangue, Smith convida o leitor a um mergulho profundo pelas veias do poeta.

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