Dicas de um programador para sumir da internet — Gama Revista
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Depoimento

‘Como me apaguei da internet’

Um programador que decidiu rastrear e eliminar seus vestígios online divide a experiência com Gama e dá dicas para quem quer fazer o mesmo

29 de Novembro de 2020

‘Como me apaguei da internet’

29 de Novembro de 2020
Isabela Durão / Getty Images

Um programador que decidiu rastrear e eliminar seus vestígios online divide a experiência com Gama e dá dicas para quem quer fazer o mesmo

“Eu me apaguei da internet por mais de um motivo: por privacidade, por segurança e por não querer ser manipulado pelas plataformas. Privacidade no sentido de eu não querer mesmo que a minha imagem e os meus dados estivessem por aí. Segurança porque quanto mais informação você deixa disponível, mais fácil é para alguém se passar por você, tanto para abrir uma conta de celular no seu nome quanto para hackear seu email. E a questão da manipulação é mais sutil: as plataformas personalizam tudo para o seu uso, para a sua personalidade, e quanto menos informação você dá para elas, menos elas conseguem se aproveitar disso.

Não teve um estopim para que eu quisesse sumir da internet, mas aconteceram dois eventos importantes. O primeiro foi o aparecimento de um perfil no Facebook fingindo ser a minha irmã, adicionando os amigos dela, postando coisas, pedindo coisas. E quando você vai ver, não é difícil fazer isso, porque a gente já deixa tudo disponível. O outro foi a eleição do Bolsonaro e o fato de ele estar ativamente falando em ‘metralhar a petralhada’. Aquele dossiê dos antifascistas era essencialmente feito do perfil nas redes sociais e das postagens das pessoas. Então, tudo o que você posta pode e vai ser usado contra você. Dá medo de deixar os dados todos públicos.

Já tive redes sociais abertas. Por um tempo, meu Facebook era aberto, porque no começo eu estava muito no otimismo da internet. Achava que a internet ia salvar o mundo, queria que as pessoas me vissem e interagissem comigo. Depois, veio essa realização de que a internet é ‘do mal’, não é um lugar incrível. Comecei a pensar em quais eram as consequências da internet, em por que a gente usa tanto, e a procurar mais sobre privacidade. Passei a ler alguns blogs e a ouvir podcasts sobre o tema e achei alguns recursos que foram me motivando a seguir em frente — conteúdos sobre os riscos e as alternativas. Foi um trabalho de me informar sobre todas as avenidas pelas quais a gente deixa nossos dados para trás e sobre como tirar isso da internet.

As plataformas personalizam tudo para o seu uso; quanto menos informação você dá, menos elas conseguem se aproveitar

Tinha muita, muita coisa minha online: muitas fotos públicas, lugares em que aparecia meu endereço e meu CPF — tudo por recursos legítimos. Como eu fiz faculdade pública, meu nome está disponível na lista de convocados para a matrícula, e isso vem com meu RG. O processo de apagar tudo, então, foi aos poucos, não fiz tudo de uma vez. A primeira coisa foi deixar o Facebook e o Instagram privados e remover as pessoas que eu não conhecia ou não lembrava que existiam da minha lista de amigos. Depois, desabilitei as duas redes, já que as duas dão a opção de desativar a conta temporariamente. O Twitter, deletei.

Aí vêm as coisas mais complexas. O que me surpreendeu bastante foi o número de contas em aplicativos e sites que eu não lembrava que existiam: um site em que fiz um cadastro para usar uma vez, um app que baixei e fiz uma conta, tudo isso fica registrado no meu nome. Isso foi uma das coisas que eu precisei procurar e deletar. Tem um site em que você consegue ver as contas que existem com determinado nome de usuário. Como eu tinha um usuário meio padrão, consegui descobrir um monte de perfis meus por aí e fui deletando.

Outra coisa que qualquer pessoa pode fazer é procurar por ‘unsubscribe’ no campo de busca dos emails. Aí você vai conseguir ver todas as contas em newsletter que você já criou na sua vida: eu fui olhando e cancelando as assinaturas, deletando aos poucos. Foi quando a limpa realmente ficou séria. Percebi que eu tinha muita, muita coisa no meu nome, e deletar tudo deu mais trabalho. Foi a parte que mais demorou.

O grosso, que eu diria que a maioria das pessoas deve fazer, não levou mais do que um mês: deletar posts das redes sociais, remover amigos que você não conhece e fechar os perfis. Mas o processo mais estendido demorou pelo menos um ano. Uma vez por mês eu ia no meu email e procurava mais coisas que ainda não tinha removido, ia fazendo em doses homeopáticas. A triste verdade é que nunca acaba, esse é o problema.

Me surpreendi com o número de contas em aplicativos e sites que eu não lembrava que existiam

Antes de dar esse depoimento, por exemplo, eu fui pesquisar meu nome no Google — e acho que essa é a principal dica: procurar seu nome no Google e ver onde você aparece — e apareceu uma foto minha em uma página antiga de um blog. Consegui remover e agora, se você colocar meu nome no Google, não vai aparecer nenhuma foto, exceto a foto que eu escolhi para ser a minha foto pública, uma foto pixelada em que estou de óculos escuros.

Uma coisa que ainda me assombra é uma arte que meu colégio fez em 2014, com o nome de todos os alunos, e esse PDF ainda está na internet. A lista de aprovados da universidade, por exemplo, foi uma coisa que tive que aceitar — tudo que é oficial da universidade não vou conseguir remover. Tem coisas que não tenho controle e ok. Outras são inevitáveis: como sou programador, deixo códigos públicos na internet, e esses códigos sempre voltam. Mas tudo bem, não tenho problema de verem o meu trabalho. Isso foi uma coisa que escolhi, que aceitei e que tudo bem deixar.

A questão é poder escolher o que as pessoas vão ver sobre mim, é ser dono dos meus próprios dados. A maior parte das coisas que deixo na internet são profissionais e acadêmicas. Se você der um Google no meu nome, o primeiro resultado é meu blog. Eu quero que esse blog fique disponível, porque ele é praticamente meu portfólio. Então, se uma pessoa me procura no Google, ela vai achar que eu sou programador e os textos que escrevi nesse blog.

A questão é poder escolher o que as pessoas vão ver sobre mim, ser dono dos meus próprios dados

Também sou sócio de dois CNPJ, e isso aparece na internet. Foi uma escolha da minha vida: se você quer ser sócio de uma empresa, você nunca vai conseguir ser totalmente privado, a menos que seja uma sociedade anônima. Mas o fato de aparecer meu nome e as empresas a que estou associado já é meio redundante, porque também estou no site das empresas. E, se alguém quiser falar com a empresa, eu sou um dos contatos e quero que a pessoa seja capaz de fazer isso.

Tenho um LinkedIn, mas não tenho o aplicativo no celular e não ponho foto. Só adiciono os meus contatos porque às vezes é necessário para falar com as pessoas. Mas isso não significa que o LinkedIn é melhor que as outras redes sociais — ele é tão ruim quanto as outras, só que eu não tive muita escolha. E é razoável para o ser humano ter uma rede social, até porque virar um ermitão completo pode ser prejudicial. Imagina que alguém vai te contratar: se você some completamente, você não tem portfólio. Acho que uma rede social fechada e bem controlada é possível manter, principalmente sem o aplicativo no celular.

Se a gente coloca cortina na nossa casa é por um motivo. Queremos ter privacidade, segurança, não queremos que bisbilhotem quando estamos fazendo nossas coisas pessoais. E eu permito quem vem na minha casa de ver as minhas coisas. Na internet é igual. Hoje eu consigo sentir que tenho controle sobre a minha pessoa online, uma coisa que pouca gente tem. Muita gente acha que é oito ou 80: ou você coloca tudo, ou você não coloca nada. Ver uma pessoa como eu, que tirou tudo, faz o pessoal perder o ânimo. Mas você pode só enxugar a sua presença da internet: tirar as fotos mais pessoais e dados como endereço, RG, CPF. Fazer um pouco já traz muito resultado.”

O passo a passo

Dicas do programador para uma vida online mais anônima e segura

  • Se informe sobre privacidade, uso de dados e segurança online

    “Com certeza há bastante conteúdo disponível sobre isso para quem quer se informar. Dois sites e um podcast me motivaram e me ajudaram muito: os sites são o Privacy Tools e o Intel Techniques, e podcast é o ‘Privacy, Security & Osint’. De coisas mais recentes, tem dois documentários na Netflix que são muito bons. ‘Privacidade Hackeada’ fala muito sobre a questão da disponibilidade dos nossos dados pessoais; e ‘O Dilema das Redes’, sobre a manipulação que nossos dados permitem.”

  • Faça uma limpa nas suas redes sociais

    “O primeiro passo de todos é deixar as redes sociais privadas, ou seja, não é qualquer um que entra no seu perfil que pode ver os posts. Depois, fazer uma limpa tanto nos posts quanto nas amizades. Esse é um nível que eu acho o mínimo recomendável. A próxima etapa seria desabilitar as contas nas redes sociais de vez. Quase ninguém quer desabilitar, mas acho que as redes sociais já se provaram muito inseguras para qualquer pessoa.”

  • Fique atento às permissões do seu celular

    “O celular é o maior vetor de informação pessoal, porque todos os aplicativos se comunicam e podem ver o seu histórico do navegador para te servir propaganda. É importante desabilitar a localização do celular quando você não está usando e deletar aplicativos que você não usa mais. Às vezes, é legal até ler os termos de uso de alguns aplicativos para saber quais dados eles estão utilizando e de que forma.”

  • Use senhas seguras

    “Use senhas seguras e diferentes e faça a autenticação em dois fatores sempre que for possível. Se precisar, use um gerenciador de senhas.”

  • Vá além: remova as contas ‘zumbi’

    “Se quiser, dá para ir mais longe e remover as contas ‘zumbi’, esses perfis que você criou para usar uma vez e nunca mais mexeu. Aí começa de fato a parte mais complicada: cancelar assinaturas de newsletter, pedir para remover seu conteúdo de sites de consulta pública, remover suas fotos de sites que você tem controle e pedir para removerem sua foto de sites que você não tem controle. Hoje em dia, com a Lei Geral de Proteção de Dados, você tem mais autonomia para fazer esse tipo de pedido.”

Depoimento a Mariana Payno

C.L. tem 24 anos e é programador. Por motivos óbvios, preferiu que seu nome não aparecesse neste depoimento, deixando como rastro apenas as iniciais.