Uma janela para quatro mães na quarentena — Gama Revista

Janelas abertas

Uma janela para quatro mães na quarentena

@claricelimao

Histórias de mulheres que se aproximaram dos filhos e que encontraram caminhos para pequenas vitórias emocionais e familiares

Isabelle Moreira Lima e Manuela Stelzer 16 de Abril de 2020

Há dúvidas sobre qual ilustração melhor define a mãe contemporânea: uma equilibrista de pratos em bastões ou um polvo cheio de braços a abraçar mil e uma tarefas. Na quarentena, os pratinhos – ou os braços, se preferir – se multiplicaram, com cuidados redobrados ao filhos, muitas tornando-se uma espécie de representante involuntária das escolas, com as funções de governanta para que a casa funcione, de profissional – porque a vida, afinal, continua –, ser humano, mulher, e por aí vai.

Ouvimos quatro mães com filhos em idades diferentes para saber como viveram o primeiro mês de isolamento social, quais os maiores acertos, angústias e desafios. O debate é amplo e continua. De olho nesse movimento, Gama, em parceria com a Aurora 3, realizou no dia 16 de abril o primeiro debate do Janelas Abertas, um ciclo de conversas online, com um grupo de mães. Na próxima quinta (23), às 19h, o papo será com microempreendedores.

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    ‘A quarentena é como o puerpério’

    Clarice Lima, bailarina, mãe de Noel (8) e Nina (2)

    “Estamos completamente sem rotina, já pela quinta semana. Têm dias que as crianças dormem cedo, em outros dormem tarde, vamos improvisando. A vida está em função das crianças. Quando eles acordam, eu e o Renan [marido] acordamos, quando eles dormem, vemos filmes.

    Todos os meus trabalhos foram cancelados. Depois da segunda semana, comecei a ficar mal porque nada me alimentava para além de cuidar da casa e das crianças. Comecei a pensar em fazer projetos semanais, mas não sobra tempo. Consigo fazer vídeos [como o que ilustra essa página], que me dão certa energia, ajudo meu marido com alguns trabalhos, e nunca as tarefas domésticas foram tão bem divididas. Isso nos dá algum sentido de existência nessa situação.

    Eu e o Noel estamos mais inconstantes. Têm dias que dá vontade de chorar; em outros, fazemos circuito. Renan e Nina mais constantes – Renan é muito positivo e tranquilo, Nina é muito… intranquila (risos).

    No começo, o Noel recebeu muita tarefa de casa e a Nina, vídeos e indicações, mas eu não consegui fazer nada. Era mais uma coisa para dar conta no meio disso tudo. Agora, a escola entrou de férias, e eu prefiro eu mesma inventar coisas para fazer com os dois. Acho que a escola também está um pouco perdida, tentando encontrar caminhos. Mas acho que o melhor seria dar perda de ano escolar: não tem como fazer educação à distância com professores que não tem esse preparo e crianças de 8 anos que não tem maturidade para aprender dessa forma.

    O maior desafio é não saber o que vai acontecer, não ter perspectiva, não ter planejamento. O Noel usa muito a palavra tédio, diz que sente muito tédio.

    Uma coisa que tem ajudado são os miniacordos: se um dia dorme tarde, no seguinte tem que dormir cedo. Aceitar que não tem planejamento é outra coisa que traz paz. Baixar as expectativas – não vai dar pra fazer nem um terço – e pensar em projetos semanais. Não é hoje, é quando der. Pensar semanalmente me ajuda, algo que me lembra muito o puerpério. O bebê fez uma semana, fez duas, fez três. A quarentena fez uma semana, fez duas, fez três. É como se ela fosse um bebê e eu estou aprendendo com ela, descobrindo coisas. Tem dia que é mais difícil, tem dia que é mais fácil. É como o puerpério – com a vantagem que você pode beber.”

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    ‘Não é falta de amor, mas a convivência, desse jeito, cansa’

    Carolina Delboni, educadora e jornalista, mãe de três meninos de 12, 14 e 16 anos

    “Eu já tinha o costume e a organização de trabalhar de casa, mas ninguém na casa tinha. Uma coisa é você fazer a lição de casa, um trabalho da escola; outra coisa é você viver dentro de casa fazendo o que faz fora. O que ajudou muito logo no começo e talvez tenha ajudado na vivência de home office é manter a rotina. Já no começo, eu determinei horário para todos acordarem. Umas 8h era acordar, trocar de roupa, escovar os dentes e descer para o café. Isso organiza o interno e o externo para garantir o mínimo de segurança.

    Meus filhos têm sentido muito as angústias de estar em casa, de não ter o contato com os amigos, de não ter a vida deles lá fora. Até brinquei: se a gente queria educar para a importância da relação ao vivo, não teve melhor maneira. Eles mesmos já se deram conta de que é chato se relacionar por uma tela.

    O que é difícil é que a demanda deles em relação a gente é muito maior, ainda que sejam maiores, adolescentes. Às vezes eu penso que nem é uma dúvida tão grande, mas que estão aproveitando a oportunidade de estar do lado dos pais para trocar. Tem muito da troca que é trabalhosa, mas é gostosa.

    Há descobertas bacanas, como cozinhar, sentar e tomar café da manhã juntos, coisa que não fazíamos há séculos. Foi interessante ver o que cada um faz melhor e tentar usar isso na nossa dinâmica.

    O ânimo deles oscila muito. O de 16, por exemplo, está supersereno, mas em alguns momentos se mostra extremamente angustiado, de chorar, botar pra fora. Já expressou várias vezes que precisa ver os amigos, que achava injusto a avó estar só. Não é justo mesmo e nós temos que conversar com eles. A escola faz isso, sempre abre os encontros perguntando como estão. São privilegiados, mas isso não tira deles o sentir. E se a gente não abrir espaço para eles dizerem como estão se sentindo é angustiante. Se pra gente é difícil, o que dirá para eles, adolescente.

    A escola tem sido o maior desafio. Tem alguns que se envolvem muito. Outros oscilam e acham, em alguns momentos, que é férias. As escolas não conseguem avaliar tudo e aí os alunos acham também que não precisam fazer as atividades – ‘ninguém vai ver, não preciso fazer’.

    Ficar 100% do tempo com a família também não é fácil, não é toda família que se dá bem, que tem diálogo aberto. Pedro, o mais velho, brincou, se vamos sair todos vivos daqui. Não é falta de amor, pelo contrário. A convivência, desse jeito, cansa.”

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    ‘O maior desafio é ter paciência e impor limites’

    Ísis Vergílio, performer e produtora, mãe de Estela (10)

    “Trabalho como freelancer, com dança e performance, além de ser produtora, então minha vida sofreu uma adaptação muito radical. Para preservar a minha individualidade e para que a minha filha não fique muito tempo ociosa, eu a matriculei em um curso online de caligrafai. Sou muito franca, temos diálogos muito saudáveis e deixo claro quais são as minhas necessidades, se preciso de um tempo para mim . Obviamente, tem um lado que é desgastante – e há outras mulheres em situações muito complicadas, de vulnerabilidade, precariedade total – mas tem o lado muito positivo pessoal. No ano passado fiquei muito doente psiquicamente pela sobrecarga de trabalho, saúde, e quase não tinha tempo para ficar com a minha filha. É horrível o que está acontecendo, no começo tive crises de ansiedade, pela incerteza. Por outro lado, além de sermos responsáveis coletivamente, sinto que nos aproximamos. Conversei com elas horrores, sei das suas questões e angústias, algo diferente de outro momento muito recente.

    Dentro de casa, se não administramos o tempo, caímos naquele abismo infinito de coisas para fazer, da louça infinita. Ela tem que ajudar, imponho respeito e ensino que tem que respeitar o espaço coletivo, vivemos juntas. ‘Se você sujou o copo, vai lá e lava.’

    Ela está preocupada, mas não ansiosa. O tio dela é enfermeiro, então ele passa uma visão de quem está dentro do SUS, o que ajuda a entender tudo melhor. Ela entende que é algo muito sério, a ponto de não ir à escola, sua prioridade número um. Eu estou sentindo mais. Durmo pouco. Alguns dias durmo demais. Minha preocupação está ligada à minha filha, fazer mercado, comprar comida, tudo gera uma ansiedade muito monstruosa. Mas sei que é uma mudança quase necessária no consumo desenfreado, da superexploração do tempo das pessoas. É algo muito horroroso, pensar que milhares de pessoas estão morrendo, pessoas negras. Mas um momento de reflexão também, de pensar na sociedade.

    Como mãe, o maior desafio é ter paciência e impor limites, principalmente se não há um parceiro ao lado para dar apoio e dividir as tarefas domésticas. A convivência desgasta e não é diferente com criança. E o que eu aprendi foi a respirar fundo sempre, é a dica que eu dou. E tentar achar pequenas janelas para fazer algo para si, nem que seja um hobby. O que eu faço para ficar melhor é Yoga, meditação, alongamento. Nem que sejam 15 minutos por dia.”

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    ‘Cada dia, tento uma coisa. É tentativa e erro’

    Paula Sion, advogada criminalista, mãe de Mariana (13), Antonio (11) e Guilherme (7)

    “Sou bem atuante no trabalho e fiquei super-irritada com a escola [St. Pauls], que tinha mandado um monte de lição online. Tive que acompanhar meu filho menor, fazer um monte de lições com ele. Mas por mais que eu ache absurda a quantidade de tarefas, eu senti um prazer enorme de estar fazendo as coisas com os meus filhos porque na vida normal eu não consigo. Estou aprendendo com esse novo momento, serve para repensar essa vida meio maluca, muito focada em trabalho, achando que tudo poderia fazer sentido com um celular na mão. Quando a gente só pode se relacionar com as pessoas pela forma virtual é que a gente percebe a importância das relações interpessoais ao vivo.

    A maioria das mães, acho que estamos na mesma. As crianças mais velhas fazem a própria lição, mas meu pequeno depende de mim para tudo. Acordo, quando vejo são três da tarde e eu de pijama. Agora estou com a calça do pijama e uma blusa do trabalho, porque já fiz call hoje. Acho que meu nível de estresse, no fim das contas, baixou.

    Eu tenho uma funcionária que dorme e eu pago uber para que ela venha, de máscara, para não pegar condução. Ela dorme a semana inteira. Se eu tivesse que cuidar da casa, além do trabalho, eu não conseguiria. É um momento que a gente precisa ser menos ganancioso, mais pé no chão. Tem dias que você tá mais animado, tem dias que você tá mais deprê, mais chateado com a situação, e principalmente por conta de saber… Eu pelo menos acho que o pior ainda está por vir.

    Fico com dó dos meus filhos. Principalmente por eles serem de idades diferentes, acho que sentem muita falta dos amigos, dos professores. Tiraram a vidinha deles, a rotina deles. Eles também tem atividades, fazem futebol, tênis, natação – na verdade, eles também não param em casa. O lado bom, que eu vejo, é que eles estão mais perto de mim, convivendo mais com a gente em casa. Mas o ruim é que tira o convívio social deles, que eu também acho superimportante. E não substitui, uma aula virtual não é a mesma coisa que a professora estar lá falando, meu filho se distrai superrápido, então é complicado.

    Meu filho pequeno é o que mais sabe do que está acontecendo, porque ele assiste a todos os jornais, sabe que é o covid-19, em qual país a situação está pior. Minha filha é mais adolescente. Deixei ela ir duas vezes à praia na semana passada, porque estava sem aula online. Meu motorista é um senhor, ele está em casa. Pedi que viesse com o carro dele, tomando todos os cuidados. Ele levou e buscou ela na praia. Então minha filha deu uma saída, viu as amigas. Eu acho que tem que ter bom senso. Não dá pra trancar o adolescente em casa – minha filha estava super ansiosa, em frente ao computador com o pote de sorvete. Aí eu comprei uma bicicleta ergométrica, incentivei ela a pedalar pelo menos uma vez por dia, porque não dá para ficar no apartamento sem andar, suar, e tal.

    O maior desafio é a paciência, conseguir respirar. Meus meninos brigam, brincam de luta, se machucam e gritam. Então é preciso conseguir olhar nos olhos deles e perceber que não está fácil para eles também. Tentar deixar um clima mais leve dentro de casa, e não entrar todo mundo nessa… Teve um momento em que meu marido achava que ele precisava ajudar, e queria comprar sorvete, pedir pizza, tipo, fazer várias coisas que a gente não fazia normalmente. Mas eu vi que eles estavam sem horário, sem rotina, e resolvi organizar. Cada dia eu tento uma coisa, é tentativa e erro.”

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