Será que você é um viciado digital? — Gama Revista
©Pio Figueroa

Será que você é um viciado digital?

Passamos tempo demais no celular, sobretudo em tempos de quarentena. Entenda o que ocorre no cérebro para criar tanta dependência

Willian Vieira 29 de Abril de 2020

Um termômetro para saber o quanto uma rotina é prejudicial é o número de apps que prometem salvá-lo dela. Fuma? Há dezenas deles para largar o vício. Bebe? Idem. Pois há muitos apps para controlar o uso de smartphone – e até serviços de saúde. Por que buscar ajuda para usar menos o celular? Talvez o problema seja sério e muita gente, incluindo você, seja dependente.

O vício tem nome: dopamina. Os apps que povoam o smartphone nos tornam dependentes desse neurotransmissor, responsável pelo sistema de recompensa do cérebro – o mesmo que explica o vício em cocaína. “Me sinto muito culpado”, disse o ex vice-presidente de crescimento de usuários do Facebook. “Os loops de feedback à base de dopamina que criamos estão destruindo a forma como a sociedade funciona.”

A dopamina tem uma função: garantir a motivação por meio da sensação de recompensa. Cada vez que completamos uma tarefa, mordemos um pedaço de bolo ou somos estimulados por algo, ela garante a sensação de bem-estar: é a recompensa. Do outro lado há hormônios como o cortisol, produzidos em situações de estresse que demandam alerta e energia. As redes sociais brincam com esse circuito cortisol-dopamina.

Os loops de feedback à base de dopamina que criamos estão destruindo a forma como a sociedade funciona

Quando o ícone do Facebook fica vermelhinho, o cérebro antevê o prazer a caminho: fica alerta e produz dopamina. Então abrimos o app e curtimos a dose. Mas logo a sensação passa. Ficamos estressados, produzimos cortisol, descemos o feed à caça de novos estímulos – e quando algo nos impacta (uma foto, uma notícia), bingo! Mais dopamina é liberada.

“O cérebro entra num ciclo vicioso para receber prazer”, explica Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. “Fica condicionado a relacionar qualquer notificação (como a curtida no Instagram) a sentimentos positivos.” Antecipamos a felicidade, ficamos refém dela. Queremos sempre mais.

O smartphone é o dealer perfeito

O mecanismo é similar ao de uma máquina caça-níqueis. A ideia é nos prender o máximo possível. Afinal, o que gera lucro para a empresa do app é sequestrar nosso tempo e nos expor a anúncios. E a melhor forma de fazer isso é produzir estímulos constantes, que nos deixem à espera de dopamina.

Mas o cérebro é sagaz e evita que estímulos nos levem ao êxtase, criando tolerância: se antes dez minutos de scrolling matavam o desejo de estímulos, logo o tempo exigido aumenta. Quando nos damos conta, estamos passando horas grudados no celular.

Se toda interação social produz estímulos e recompensas, no smartphone temos um cardápio infinito à disposição. Graças ao Whatsapp e às redes sociais, carregamos conosco milhões de pessoas no bolso. E elas nos chamam o tempo todo: curtem nossos posts, respondem mensagens, postam fotos. São tantas as chances de estímulo que nos condicionamos a esperá-los. Muitos imaginam que o celular está vibrando. É a “sensação fantasma”.

A tecnologia dos gadgets usa o mesmo mecanismo de estimulação de uma máquina caça-níqueis. A ideia é nos prender o máximo possível

Temos um traficante de dopamina no bolso. E pior, ele decide quando vai nos incitar. A imprevisibilidade faz com com que o gatilho neurológico não tenha hora ou lugar para disparar. É como jogar no casino – o sabor está na promessa de ganhar, na expectativa. Mesmo que não busquemos o estímulo, sabemos que, a qualquer minuto, seremos agraciados com ela.

É fácil se perder no looping entre plataformas. Criamos até rituais: primeiro e-mails, depois notícias e então o Face, e logo o Insta e a playlist da semana no Spotify – até chegar mensagem no Whats com uma foto do Insta e assim por diante. Em tempos de quarentena, quando trabalho e lazer se unem ao tédio e à ansiedade… o perigo do looping se torna ainda maior.

Parece exagero, mas o problema é real. Todo dia, o Instituto Delete, ligado à UFRJ, recebe dependentes patológicos de tecnologia, até com problemas de postura ou nos olhos. “A pessoa abaixa a cabeça cem vezes ao dia para checar o celular”, diz a psicóloga Anna Lucia King, diretora do serviço e autora de “Nomofobia“. “Às vezes eles esquecem mesmo de piscar.”

Será que vale gastar quatro horas por dia navegando em mídias sociais? Na dúvida, faça um jejum tecnológico, enfrente o tédio, deixe o celular de lado e olhe em volta pro mundo real. O jejum dopaminérgico está em voga. Num momento em que tanto se fala em economia de atenção, talvez valha ressignificar a relação com a dopamina.

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