Cultura do estupro — Gama Revista

Cultura do estupro

Advogada Mayra Cotta indica obras culturais, como exposição com roupas de vítimas de estupro e conto de terror sobre o papel do corpo feminino na sociedade, para entender as engrenagens da violência contra a mulher    

Ana Elisa Faria 24 de Abril de 2024

Com números assustadores e crescentes, a violência contra a mulher é um tema que faz parte do cotidiano dos noticiários do país. Diariamente, são retratados casos de agressões, ameaças, assédio sexual, torturas, ofensas e feminicídio. Por isso, Gama convidou a advogada Mayra Cotta, especializada em gênero, a listar cinco dicas de conteúdos culturais que ajudam a entender a engrenagem silenciosa e insidiosa da cultura do estupro.

 Renato Parada

Também escritora, Cotta tem dois livros publicados, “Um Ex-Amigo” (Paralela, 2023), que acompanha Alma, protagonista que tem de lidar com a volta de um amigo do passado que está sendo investigado por uma acusação de estupro, e “Mulher, Roupa, Trabalho: Como Se Veste a Desigualdade de Gênero” (Paralela, 2021), em parceria com a consultora de moda Thais Farage.

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    “What Were You Wearing?”

    “É uma exposição itinerante, mas com conteúdos online também. Em português, ela se chamaria ‘O que Você Estava Vestindo?’ e mostra as roupas que mulheres vítimas de violência sexual usavam quando sofreram um estupro. É muito impactante porque é comum associar o comportamento e as vestimentas da mulher para tentar justificar ou entender ou racionalizar a violência que ela sofreu. Mas essa exibição expõe, por exemplo, o hábito de uma freira, o véu de uma muçulmana. Enfim, não há nenhuma relação empírica entre a roupa que uma mulher usa e a violência sexual que ela sofre. Não existe nenhum tipo de relação e, apesar disso, é uma questão que ainda é usada para justificar e explicar a violência sexual. Está na nossa cultura. Eu até costumo brincar que se existisse uma roupa que garantisse que, ao usá-la, as mulheres não fossem estupradas, todas nós usaríamos, por mais desconfortável ou detestável que fossem as peças. Por isso, essa exposição é muito importante, ela já foi para a ONU e passou por diversas universidades norte-americanas.”

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    “A Assistente” (2019), de Kitty Green

    “Esse filme com a Julia Garner é muito bom porque, para mim, é uma das mais fidedignas e potentes demonstrações de como funciona a cultura do estupro por uma forte rede de silenciamento. É sobre assédio sexual, mas não tem uma imagem ostensiva de violência. A obra conta a história de uma mulher que vai trabalhar como assistente de um tipo como o Harvey Weinstein, um magnata do entretenimento, e retrata como ela lida com a violência sexual sofrida no trabalho. ‘A Assistente’ mostra como essa violência é muito insidiosa, como é difícil falar sobre ela e como que as mulheres que tentam fazer algo a respeito são silenciadas. E eu acho que essa é a grande sutileza da perpetuação da cultura do estupro, que funciona não só com a imposição violenta das práticas, mas por meio dessa pactuação silenciosa e insidiosa da reprodução dessas práticas.”

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    “I May Destroy You” (2020), de Michaela Coel

    “É uma série já bem famosa, que virou referência, mas acho que realmente não tem como falar de cultura do estupro nesse contexto de produtos culturais sem falar de ‘I May Destroy You’. Ela foi inovadora e o texto é ótimo. Tem uma cena muito boa em que a Michaela Coel [autora e também atriz que vive a protagonista da produção] está no grupo de apoio e fala dos homens que andam pela zona cinzenta e de como é difícil justamente falar dos casos em que não há violência super ostensiva, mas, ao mesmo tempo, não há consentimento, mas também não tem uma resistência muito forte. E o cara vai explorando essa zona cinzenta dessa violência não dita. A série toda é muito boa e muito forte.”

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    “O Ponto do Marido” (Planeta Minotauro, 2018), de Carmen Maria Machado

    “Esse conto da Carmen Maria Machado está no livro ‘O Corpo Dela e Outras Farras’. É o primeiro conto da coletânea e não fala exatamente sobre violência sexual, mas trata do corpo da mulher na sociedade em que a gente vive. Fala da disponibilidade do corpo da mulher na sociedade. É um conto de terror super apavorante e muito bem escrito, incrível. Acho que é uma das oportunidades mais interessantes que já vi de refletir sobre esse tema a partir do corpo.”

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    “King Kong Fran”, de Rafaela Azevedo e Pedro Brício

    “É uma peça que vale muito a pena. Também acho que o humor é uma forma super potente de crítica e de reflexão que também não costumamos trazer para a discussão sobre a violência sexual. Mas acho que a Rafaela Azevedo consegue fazer isso muito bem, de uma forma crítica, profunda e que reverbera na gente.”

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