Juventude confinada — Gama Revista
Menina embaixo do cobertor, com apenas o rosto aparecendo, olhando para uma tela de celular
Thiago Quadros / Getty Images

Juventude confinada

A pandemia obrigou jovens e adolescentes a se afastar dos grupos e trancar sonhos e paixões dentro de casa. É possível amenizar os efeitos do isolamento nessa geração?

Giuliana Bergamo 29 de Janeiro de 2021

“Passei o ano inteiro sem me apaixonar”, disse, no fim de 2020, um rapaz de 21 anos à psicóloga Luciana Ximenez, resumindo a queixa de uma geração de jovens. É uma perda importante. A juventude é, afinal, um período marcado por paixões. E não apenas por pessoas. Nos apaixonamos por ideias, lugares, estilos de vida.

O futuro parece gigante e o presente carece sempre de mudança. Assim, os adolescentes se vêem no papel de transgredir e transformar. Tudo com muita intensidade e, claro, na companhia dos amigos, longe da tutela dos pais. Só que a pandemia tem abafado tudo isso e funcionado como uma camisa de força.

Mestre em psicologia junguiana com pesquisa sobre a formação de adultos jovens e mãe de um garoto de 17 anos, Luciana tem acompanhado bem de perto o impacto do isolamento social nessa faixa etária. “Numa fase da vida em que eles deveriam se separar dos pais para ganhar o mundo, tiveram que fazer o caminho inverso: ficaram confinados com a família e deixaram o mundo da porta pra fora”, diz.

Sedentários, preocupados e tristes

O resultado tem se mostrado, em boa parte dos casos, desastroso. Uma pesquisa liderada pela Fiocruz e realizada em parceria com diversas universidades do país acompanhou os efeitos da pandemia entre 9.470 adolescentes com entre 12 e 17 anos. De junho a setembro, eles responderam um questionário online com perguntas sobre mudanças provocadas pela quarentena.

O sedentarismo, é claro, disparou. E, com ele, todo o pacote de maus hábitos associados à uma vida em confinamento. O número de garotos e garotas que não pratica atividade física alguma dobrou (saltou de 20,9% para 43,4%). A quadra, a academia e a praça parecem ter sido substituídas pelas telas. Além do período gasto com as aulas virtuais, sete em cada dez dos respondentes disseram ficar outras quatro horas diárias diante do computador, do tablet ou do celular.

Numa fase da vida em que eles deveriam se separar dos pais para ganhar o mundo, tiveram que fazer o caminho inverso

“Ainda não é possível dizer qual o impacto de longo prazo de tudo isso”, diz o educador físico André Werneck, doutorando da faculdade de Saúde Pública da USP e um dos pesquisadores do trabalho. “A boa notícia é que os efeitos do sedentarismo nessa faixa etária não costumam ser cumulativos. Ou seja: assim que conseguirem retomar a vida ativa, eles devem voltar a sentir os benefícios, como melhora do humor e controle de peso”.

A pesquisa mostrou ainda que a pandemia piorou o estado emocional dos jovens. Um quarto deles (23,9%) começou a ter problemas de sono e metade (48,7%) afirmou estar sentindo preocupação, nervosismo ou mau humor na maior parte do tempo ou o tempo inteiro. “Os adolescentes estão profundamente tristes e isso é preocupante”, diz a educadora Sônia Barreira, diretora pedagógica da Bahema Educação, um grupo que reúne onze escolas em diferentes regiões do Brasil.

“Parecia que só eu estava vivendo tudo aquilo”

Raul Meira Spinelli Souza e Silva, de 19 anos, teve sorte – pelo menos no amor. A paixão chegou antes da pandemia. Ele começou a namorar no fim de 2019. Mas a quarentena deu uma atrapalhada na vida do casal. Até março, antes de entrarem em vigor as medidas de isolamento, ele e a namorada se viam quase todos os dias. Mantiveram o ritmo de contato virtual, mas os encontros ficaram mais espaçados: um a cada duas semanas. “A gente deu o nosso jeito, mas sempre tínhamos a sensação de estar fazendo algo muito errado”, diz.

O maior impacto que o rapaz sofreu, porém, foi nos estudos. Em 2019, Raul concluiu o ensino médio. E estava cheio de planos para o ano seguinte, dedicado a se preparar para o vestibular. No cursinho, esperava estudar bastante e também conhecer gente nova, um ambiente diferente. Mas ele mal teve tempo de começar as aulas e elas migraram para o virtual.

“Nos primeiros meses, eu não conseguia me concentrar nas atividades online. Meu rendimento caiu demais. Além disso, senti muita falta de trocar dúvidas e angústias com outros colegas sobre esse período preparatório. Não tinha a conversa no corredor, entre as aulas, na saída. Em casa, a sensação era de que só eu estava vivendo aquilo”, diz.

Tudo isso acabou afetando o sono de Raul. Ele desenvolveu um problema chamado “paralisia do sono”. “Eu não estava nem acordado, nem dormindo. Abria os olhos, mas não conseguia me mexer e misturava sonho e realidade, uma espécie de alucinação”, conta. Felizmente tudo se resolveu com terapia, que ele já fazia antes mesmo da pandemia porque acha que é “muito ansioso”.

Barrados no baile

Aos poucos Raul foi encontrando também meios de recuperar o desempenho. Passou a estudar com um grupo de amigos e adotou uma rotina mais regrada. No último domingo (10), prestou o vestibular da Fuvest. O resultado oficial ainda não saiu, mas, pela conferência do gabarito, ele acha que foi aprovado.

O que vão fazer falta agora são as comemorações pelo ingresso na faculdade e toda adaptação a essa nova fase de vida. “Entre os maiores danos colaterais da pandemia está a ausência dos ritos de passagem. E os adolescentes são especialmente impactados por isso”, diz a psicóloga Adriana Burani Venceslau. Confinados, eles não puderam participar de viagens e festas de formatura ou recepção de calouros, por exemplo.

O isolamento tem efeito também na iniciação sexual e na descoberta do próprio corpo, que está em franca transformação. “Nesta fase da vida, fazer parte de um grupo e entrar em contato com o outro é fundamental para a formação da identidade, o que inclui a sexualidade. Quando se está sozinho, faltam referências. Ou pior: elas se resumem à internet ou a figuras de autoridade, que são os pais”, diz Adriana, que atende principalmente jovens e adolescentes.

Entre os maiores danos colaterais da pandemia está a ausência dos ritos de passagem. E os adolescentes são especialmente impactados por isso

Isso tudo pode provocar distúrbios do humor, como ansiedade, depressão e até pânico. Uma das pacientes de Adriana passou meses tendo crises de vômito nos encontros com o namorado. O relacionamento era recente. Outro garoto travava sempre que precisava sair de casa, de tanto medo.

Há ainda os dilemas de imagem. “Muitos dos meus pacientes engordaram durante a quarentena e, agora, estão muito preocupados com o que os amigos vão pensar quando os encontros voltarem a acontecer”, conta Luciana Ximenez, que tem assistido mais adolescentes precisando de ansiolíticos e antidepressivos para enfrentar as mudanças impostas pela pandemia.

Sem perder a doçura

Ainda não dá para prever o impacto disso tudo na vida adulta da atual geração de jovens e adolescentes, mas é possível encontrar alternativas para diminuir os danos. “É importante achar formas de manter o mínimo convívio social e de comemorar, por exemplo, o fim do ensino médio, o ingresso na faculdade, sem deixar que marcos dessa fase de vida passem batido”, alerta Adriana Burani.

E eles não parecem precisar de muita ajuda para isso. Bianca Fátima Araújo Bim tinha altos planos para quando completasse 18 anos. Ela queria levar meus amigos para o interior para fazer “uma festa na piscina”. O aniversário foi em novembro, quando a situação da pandemia estava mais tranquila em São Paulo, onde vive. “Acabei chamando um grupo pequeno de seis amigos para comemorar em casa. Não era o que eu esperava, mas eu não podia deixar meus 18 anos passarem em branco!”

Nas escolas do grupo Bahema, dirigido por Sônia Barreira, os adolescentes criaram, sozinhos, maneiras de dar vazão às suas potências. “Organizaram saraus e festas online, grupos de estudo e debate, por exemplo”, diz a educadora. A pressão pelas medidas de segurança contra a Covid-19 viraram também uma espécie de militância. Tanto que em uma das escolas do grupo a adesão pelo retorno às aulas presenciais foi menor quanto mais velhas as turmas, pois a maioria dos alunos se posicionou contrária à reabertura.

E teve até quem achou um jeito diferente de se apaixonar. Diz Luciana: “Depois de meses convivendo só com os pais, um amigo do meu filho resolveu se confinar em um sítio com uma menina que conhecia pouco. Arriscaram para ver no que dava e se apaixonaram”. São os amores em tempo de pandemia.

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